Recordando Miguel Fodinhas

Miguel Ferreira Lopes, carinhosamente conhecido como Miguel Fodinhas (pai do Manuel arrumador de viaturas do parque do Restaurante Águia D'Ouro), era uma das figuras vizelenses mais alegres que se conheceu.

Faleceu há 28 anos, em 1993, vítima de atropelamento ao fim da avenida Sá e Melo. 

Aquando a sua morte, o Notícias de Vizela chamou à primeira página a notícia e no interior,  José Pedro Marques dedicou-lhe uma página ilustrada com fotos onde nem sequer faltava o carrinho de guarda soleiro.

Miguel Ribeiro Lopes, tocava gaita de beiços, era exímio pescador, vizelense dos sete costados, trabalhou em diversas profissões pois era polivalente e versátil, lutador pela criação do concelho e patriarca de adorável família.

O seu passamento deixou enorme vazio entre todos os vizelenses. 



RIO LIMPIDO E CONCELHO SEUS SONHOS
"Ele, Miguel  Fodinhas, amava o seu carrinho de rodas de triciclo; a sua gaita de beiços, o monte de varas, ganchos, arames, alicate, cravos. A estas coisas inanimadas ele dava vida nas sua horas de solidão. E com este paupérrimo material, ele em cada guarda chuva composto era um sorriso que deixava, uma piada que a ninguém ofendia, uma satisfação de mais uma obra, do velho fazendo novo, de suas mãos saída. E destes tesoiros da simpatia, de singeleza, da palavra amiga, das amizades criadas, ia amealhando tesoiros para lhe abrirem as portas do Céu. Num diâmetro de 20 kms não houve caminho ou carreiro que não tivesse calcorreado a pé; como não houve casa que a porta lhe não tivesse sido aberta.

Desde lá de cima de um dos pontos mais altos a poente, da sua modesta casinha alcandorada na colina como ninho de águia nas alturas, de Vizela nada lhe passava despercebido. Tudo ele foi acompanhando com uma simplicidade e naturalidade de homem simples e manso. 
Inconfundível à distância, identificado como era nos seus óculos pretos em cujas lentes nos podíamos remirar como em espelho e através dos quais ele não via o nosso rosto mas lia a nossa alma. Como toupeira habituado à escuridão, por causa de doença que terá descuidado ele "via" mais de noite que à luz do sol.

Tudo e todos desafiando, ele era a relíquia ambulante, viva, do último sobrevivente dos guarda-soleiros. Ainda há dias ouviramos a sua gaita de beiços e a sua silhueta, sombra ambulante vertical, asinalando a sua presença nas ruas de Vizela.

Toda a sua fortuna estava na bagagem transportada no carrinho. Na sua alma, porém, abrigava e alimentava, ainda dois grandes sonhos: ver de novo o seu rio Vizela de águas limpas e puras e cardumes de peixes a dar lhe vida. Ah! Que saudades do tempo em que nele pescava trutas de quilos. E mais! E ver vibrar com emoção e alegria com a criação do concelho, que tanto ansiava. Amor agarrado ao seu chão, à sua terra. Os simples são assim. Por isso eles têm a garantia no Céu: bem-aventurados os simples, os mansos porque possuirão a Terra. Que vai ser destes e mais ninguém!

JOSÉ PEDRO MARQUES,  in Notícias de Vizela 

Partilhar