Sr. França perto da licenciatura aos 78 anos

Conhecido e simpático comerciante em Vizela no ramo da drogaria e tabaco.

"Chama-se Fernando França Pereira e está a poucas disciplinas de terminar a licenciatura em Engenharia Têxtil. Até aqui tudo normal, exceto a idade deste nosso aluno: 78 anos." - pode ler numa notícia publicada pelo jornal NOS da Universidade do Minho. 

É um dos mais experientes inscritos como estudante neste ano letivo e mostra uma determinação fora do vulgar. É no campus de Azurém que passa todas as suas manhãs e foi lá que, em entrevista ao NÓS, disse que tem de estudar “dez vezes mais que os colegas da licenciatura em Engenharia Têxtil", naquela que é, para si, “uma segunda casa”. O estudante - como quer ser tratado, longe de qualquer paternalismo - vive em Vizela, mas foi em África onde mais cresceu profissionalmente (já lá vamos…).

Fernando Pereira começou a conversa com a ideia que o assola de arrependimento por não ter ido à Imposição de Insígnias deste ano. “Os meus colegas disseram-me para ir, mas não me sentia bem pois ainda tenho duas cadeiras em atraso do segundo ano”, explicou. Ainda assim, ficou no ar a garantia: “Para o ano irei e está previsto acabar a licenciatura na passagem dos 79 para os 80 anos”.

África foi barriga de aluguer 

Sempre gostou de estudar mas o seu trabalho e a sua saúde foram-lhe colocando travões ao ímpeto e vontade de aprender. É o mais novo de oito filhos e quando terminou a 4ª classe foi trabalhar para os negócios locais na cidade de Gondomar, terra onde nasceu. Na altura tinha apenas 10 anos (!). Fugiu dos trabalhos no quintal da mãe e não encontrou um trabalho que lhe agradasse nas oficinas de ouriversaria em que lhe deram algo para fazer. Foi então que, aos 14 anos, o seu tio lhe ofereceu um trabalho numa loja de ferramentas e ferragens no Porto. Foi lá que trabalhou até a sua vida ter mudado radicalmente quando, aos 20 anos, foi para África. Uns meses antes, este continente já lhe tinha “aparecido à frente” quando, após ter acertado em todos os alvos na prova de tiro na recruta em Aveiro, foi destacado para a enfermaria na linha de frente de batalha na Guiné. Um problema de saúde fê-lo ficar em Portugal mais uns tempos.

Não foi para a Guiné, mas viajou mais tarde para Moçambique onde começou o seu emprego numa filial da empresa onde trabalhava. Foi nesse país que criou mais tarde um negócio por conta própria na cidade de Gurué. Vendia de tudo um pouco e foi uma questão de tempo para abrir um novo espaço comercial. “Foi lá que cresci como comerciante e onde vivi uma vida saudável e feliz”, confessou. Permaneceu aí 11 anos e lá casou por correspondência com a sua atual esposa. Foi também aí que viu nascer duas das suas três filhas. Em 1974 veio, obrigado, para Portugal e não voltou mais a África.

Uma operação deu o clique para o regresso às salas de aula

Comprou, após o seu regresso a Portugal, uma drogaria em Vizela, mas foi no negócio do tabaco onde cresceu profissionalmente. Em 1996, uma operação delicada fê-lo repensar a sua vida. Pagou as contas que tinha pendentes e vendeu tudo, desfazendo-se do negócio. Operação bem sucedida... Voltou a abrir um espaço comercial, desta feita uma tabacaria. Foi precisamente nessa altura que deciciu voltar aos estudos e fazer o 10º, 11º e 12º anos na Escola Secundária Francisco de Holanda, em Guimarães.

Com algumas interrupções pelo meio, chegou finalmente à UMinho. Concluiu o curso de Preparação para Maiores de 23 anos em 2011/2012, e ingressou em 2012/13 na licenciatura de Estatística Aplicada, tendo feito algumas disciplinas. Depois mudou para Engenharia Têxtil, uma opção justicada pela formação noturna deste último que encaixava com a vida profissional de Fernando.

“A UMinho é uma espécie de segunda casa”

“Sinto-me muito bem aqui, o ambiente é saudavel e tenho bom relacionamento com professores e alunos. Venho para aqui diariamente porque em casa não consigo estudar”. “Às segundas e sextas-feiras estagio na My Shirt, uma empresa em Vizela, e o resto dos dias passo-os na UMinho”, explicou o estudante da Escola de Engenharia, garantindo que, “tendo saúde”, não falta a uma única aula.


Costuma estar com os colegas fora da sala de aulas, mas explicou que não vai às festas académicas, apesar de sempre ter gostado das tradições académicas. Dentro e fora das salas não sente qualquer comportamento diferenciado para com ele. “Não me sinto marginalizado, muito pelo contrário. Sinto uma boa receção por parte de todos e acho que não tenho tratamento diferente. Aliás, não estou aqui a pensar que tenho 70 ou 80 anos, estou aqui a pensar no estudo e em cumprir o meu objetivo”, concretizou.

No entanto, o carinho com que é acolhido na UMinho acaba até por ser superior ao que encontra quando chega a casa. “Para a minha esposa era melhor que eu não andasse a estudar, mas sinto-me melhor a fazer a minha vida. Se ficasse em casa o tempo todo, não iria correr bem”, gracejou.

Se sobre o presente não restam dúvidas, sobre o seu futuro ainda pairam algumas indefinições. “Ainda não decidi se os estudos se acabam depois de terminar a licenciatura no próximo ano. Ainda vou ver. É que, sabe, dá-me mesmo muito gozo estudar”, frisou o estudante que admite que a sua determinação e exemplo “tem contribuído para incentivar as pessoas a estudar e a não desistir”.

JORNAL NOS (Universidade do Minho)

Texto, Daniel Vieira da Silva 


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