"Tratado de Tagilde" por Eugénio Silva


Historiador e vereador municipal Eugénio Silva Carvalho promoveu na sexta feira uma conferência de imprensa em Tagilde onde apresentou os seus pontos de vista sobre o Tratado de Tagilde e cujas conclusões pode ler aqui na íntegra no comunicado que distribuiu pelos jornalistas:

 

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA – TRATADO DE TÁGILDE DE 10 de Julho de 1372


 Não foi de ânimo leve que decidi convocar esta Conferência de Imprensa. Foi uma decisão tomada após profunda reflexão, concluindo pelo dever e obrigação em clarificar e até desmistificar a intenção do municio de Vizela em celebrar os 650 anos do Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372 através da adesão ao “Portugal - UK 650”, ao abrigo de uma iniciativa negociada com a “ANDI-Associação Novo Diálogo”, a sua promotora. Trata-se de uma ONG, sediada em Braga, presidida por Maria João Rodrigues de Araújo, doutorada em música pela Christ Church College [Disponível em:  https://www.queens.ox.ac.uk/people/dr-maria-joao-rodrigues-de-araujo ].

 

Deste modo, esclareço que estou aqui na dupla qualidade de político e de historiador. Na representação política, enquanto vereador independente e de oposição na Câmara Municipal de Vizela, embora tenha sido eleito em representação do PS. E nem o facto da Federação Distrital de Braga do PS ter já imposto um candidato às próximas eleições autárquicas – imposição que, veementemente, repudio, uma vez configurar um prémio à apostasia - me levará, em coerência e respeito pelo eleitorado que em nos depositou a sua confiança em 2017, a alterar a minha conduta. O PS, o legítimo, perdeu as últimas eleições autárquicas, cabendo-nos, assim, ser oposição. É pois neste papel que aqui estou. Enquanto historiador, daqueles que combatem pela História científica, ou seja, aquela que se fundamenta nas fontes e procura interpretar e narrar com objetividade o passado, contextualizando-o; um historiador que, acima de tudo, defende o escrupuloso respeito pela citação de fontes e autores, abominando quaisquer apropriações indevidas do labor de pesquisa alheio.

 

Durante a campanha eleitoral, em 2017, no duplo papel de político e de historiador, o Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372, mereceu-nos a nossa melhor atenção. Neste local, o PS comprometeu-se na sua solene difusão através de várias iniciativas. Entre elas constava a edição de um trabalho historiográfico. Neste, divulgar-se-ia não só a cópia do diploma, subscrito, nesta freguesia de S. Salvador de Tagilde, pelo rei D. Fernando I e pelos legítimos representantes do poderoso Duque de Lencastre (tratado que esteve na génese do subsequente Tratado de Londres de 16 de junho de 1373, firmado entre Eduardo III de Inglaterra e o rei português), como também a pertinente questão (até agora nunca estudada) de o diploma ter sido assinado em terras do príncipe D. João, meio-irmão do rei D. Fernando e donatário das terras de Riba de Vizella. Seria este o primeiro passo a dar para, depois, se começar a trabalhar e colher os benefícios proporcionados pelo seu elevado valor cultural e turístico. Como perdemos as eleições, coube esta iniciativa aos nossos adversários políticos. E ainda bem, pois sobre este assunto registo sempre com particular interesse e atenção as ações que possam levar ao aumento do seu conhecimento, independentemente de serem facultadas por músicos ou escritores.

Neste âmbito, o atual executivo da Câmara Municipal de Vizela (CMV), na sua Reunião Ordinária nº 83, realizada em 27 de abril de 2021, submeteu a debate para posterior aprovação a “proposta de atribuição de apoio ao associativismo à Associação Novo diálogo”, no valor de 15.000,00 Euros [cf. Apêndice 1 – Protocolo de atribuição de apoios financeiros entre a CMV e a Associação Novo Diálogo – Extracto da Ata n-83 ]. Trata-se, é certo, de uma proposta plena de boas intenções - como bem evidenciam os 10 considerandos (um decalque da pagina pessoal da doutora inserta no site já referido) - mas onde não se descortina formas e meios de se materializar a parafernália de obrigações, nomeadamente estudos de opinião, exposições documentais, ou novas investigações interdisciplinares. Pelo protocolo de apoio financeiro, verifica-se também que o segundo outorgante, a ANDI-Associação Novo Diálogo, representada pela referida doutora Maria João Araújo, se obriga â entrega de uma cópia do diploma do Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372. Fui, por isso, bastante crítico e contundente, ficando no limiar do voto contra. Mas, impelido pelo benefício da dúvida, apesar da longa mas inconsequente defesa presidencial com recurso a Power Point, acabei por me abster.

 No entanto, enquanto político e historiador, tinha a obrigação de voltar a abordar este assunto, uma vez ter ficado provado um total desconhecimento sobre a origem e autoria de estudos e trabalhos historiográficos já editados sobre o Tratado de Tagilde. Cumpri-a na Reunião Ordinária n.85, movido e em consideração por três aspetos pertinentes e que constituem a principal causa para esta conferência de Imprensa:

1 – Refutar que a CMV venha a pagar à ANDI – Associação Novo Diálogo para receber uma cópia do diploma do Tratado de Tagilde, quando o mesmo, em 1949, mereceu a devida divulgação pública em Portugal. Na supracitada Reunião Ordinária, ofereci, graciosamente, ao Sr. Presidente cópia do referido diploma, oferta que, sem nenhuma explicação, recusou.

2 - Refutar que a CMV venha a pagar à ANDI – Associação Novo Diálogo para receber uma cópia do diploma do Tratado de Tagilde, quando, em fevereiro de 2019, logo após a criação do Arquivo Municipal, o desejava oferecer, graciosamente, ao município. Bastaria, para tal, o Sr. Presidente da CMV ter tido a dignidade de responder ao correio eletrónico que lhe remeti no decorrer desse mesmo mês e ano.

 3 - Salvaguardar não só o meritoso labor de pesquisa como, acima de tudo, divulgar, defender e proteger os pioneiros trabalhos historiográficos acerca do Tratado de Tagilde, oferecidos, em 1949, por dois eminentes historiadores, o Dr. Peter Russel, inglês, e o Dr. Sérgio da Silva Pinto, português.

 

 Sobre este último ponto, desejo ainda informar e esclarecer os seguintes aspetos:

É desconhecida a existência do diploma do Tratado de Tagilde na Chancelaria do rei D. Fernando. A melhor prova referencial, mais de setenta anos depois de ter sido redigido em Tagilde, em 1372, encontra-se na Crónica de D. Fernando, de Fernão Lopes, ou, 5 séculos depois, no trabalho do Visconde de Santarém - Quadro Elementar das Relações Políticas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potências Mundiais, de 1865. Até que, em1949, foi-nos oferecida a transcrição paleográfica e a cópia integral do diploma, mercê do labor de pesquisa desses dois historiadores. De referir, no entanto, que a cópia do diploma do Tratado de Tagilde permaneceu, até ao momento, longe e desconhecida dos vizelenses e, particularmente, da comunidade académica e científica, conservando-se ainda demasiado “escondida” no BOLETIM DO ARQUIVO MUNICIPAL DE BRAGA, de Agosto de 1949, carecendo, assim, da Vossa singular ajuda na sua pública difusão.     

 

O Dr. Sérgio da Silva Pinto, professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, publicou, em 1949, na qualidade de vereador da Cultura na Câmara Municipal de Braga, “o verdadeiro e completo conteúdo do Tratado” no – BOLETIM DO ARQUIVO MUNICIPAL DE BRAGA, Vol. I, n.º 12, Agosto de 1949 [cf. Apêndice 2 -cópia integral do diploma e transcrição paleográfica]. Informa-nos ainda que a transcrição paleográfica e a cópia do Tratado de Tagilde apenas foi possível depois do paradeiro do diploma ter sido indicado pelo historiador inglês Peter Russell, seu contemporâneo, encaminhando-o para os “Arquivos do Ducado de Lencastre, no Public Record Office, que é a Torre do Tombo Londrina”.

 Um outro trabalho de Sérgio da Silva Pinto – Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372. Subsídios para a história das Relações Jurídico-Políticas Anglo-Portuguesas, Separata da revista “SCIENTIA IVRIDICA”, Ano II, fasc. 6.º (Out-Dez) de 1952, também nos lega a mesma transcrição paleográfica e a cópia do referido diploma.

 O original do diploma é uma grande folha de pergaminho, quase quadrada, com as dimensões de 46 x 48. Está escrito em letra semigótica, em português e a procuração do Duque de Lencastre em castelhano, o que facilmente se compreende, uma vez o Conde de Andeiro, seu procurador, ser galego.                                                                                                                                                                                                                                                                                        

 Por sua vez, o historiador Sir Peter E. Russell, docente e diretor, entre 1953 e 1973, do departamento de Estudos Portugueses na Universidade de Oxford, acabou também por nos legar uma transcrição paleográfica do diploma, muito idêntica à editada por PINTO, vindo, em 2000, um dos seus trabalhos a ser traduzido e editado em língua portuguesa, sob o título: - A Intervenção Inglesa na Península Ibérica Durante a Guerra dos Cem Anos. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2000, pp.595-98.

 Pelo exposto, tendo em atenção o precioso legado concedido às comunidades académica e científica e, especialmente, à vizelense e à sua História, deverá ser a estes dois historiadores que Vizela deverá prestar a justa e merecida homenagem no decorrer das celebrações dos 650 anos do Tratado de Tagilde de 10 de Julho de 1372. Como Vizela nunca registou nos seus anais manifestações de ingratidão, estou certo que, a partir de agora, terão o merecido reconhecimento.

 

    Vizela, 02 de julho de 2021

(José Eugénio Carvalho da Silva

 


 








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