DIGITAL DE VIZELA – Quase dois meses depois do início das obras de requalificação e revitalização da Praça da República e Jardim Manuel Faria, integrada no Plano de Ação – Regeneração Urbana Sustentável – RUS, que balanço faz?
Arq. FILIPE COSTA - Faço um balanço bastante positivo.
A realidade actual obrigou-nos num curto espaço de tempo a reflectir, a reorganizar e a aprender a viver com o medo do desconhecido, do invisível, mais conscientes da fragilidade humana, e mesmo limitados a obra arrancou, encontrando-se num ritmo ainda assim normal.
– É uma obra difícil de executar considerando o subsolo?
- Intervir no centro histórico de qualquer cidade é naturalmente complexo, sendo que no nosso caso mostra-se ainda mais sensível com a existência dos vestígios romanos.
- O que vão fazer aos vestígios romanos?
- A intervenção agora em curso tratará a superfície, sendo que numa segunda fase será feita uma intervenção coordenada pelo Arqueólogo e Professor Francisco Queiroga em conjunto com o Museu Dom Diogo de Sousa e a Faculdade do Porto, essa sim com o dever de estudar e tratar os vestígios
romanos hoje localizados junto à praça.
– O que esteve na sua mente quando desenhou o novo projeto da Praça e Jardim?
As pessoas.
Conscientes da importância da Praça e do jardim no pulsar da cidade, procuramos, enquanto arquitectos, potenciar os encontros fortuitos, envolvidos pelo nosso legado, nas vivências do presente e na projecção do futuro, sendo que cada linha, cada pensamento debatido intensamente com todo o grupo de trabalho, foi para humanizar, para enriquecer, para valorizar a maneira como as pessoas vivenciam os espaços, dotando-os de sentidos e tornando-os palpáveis e intemporais.
- Acha que os vizelenses vão gostar do produto final?
- Acho que esta é a intervenção que a cidade e os vizelenses precisam.
O projeto resulta das inquietudes do mundo global, mas principalmente da problemática que se apreende da reflexão acerca do espaço construído.
Enquanto palco principal da cidade, este é o lugar de todos os Vizelenses, porque materializa a sua história e as suas memórias, mas principalmente porque permanece vivo, tornando este lugar maior que o seu próprio espaço, e elevando-o a um quadro imaterial capaz de vincar em si a alma de todos nós.
– Em traços gerais o que mais destaca deste grande projeto para Vizela?
De um modo geral, do projeto resulta uma natural aproximação entre Praça da República, Jardim Manuel Faria e Rua Dr. Abílio Torres que, embora diferentes no uso e na função, se complementam, emergindo como um conjunto imaterial, envolvido de sentidos capazes equilibrar e humanizar o espaço.
Do ponto de vista particular, o renascer da Bica quente. Ela é demasiado importante para continuar esquecida, fechada sobre si mesma, na solidão.
– Alguns vizelenses utilizaram as redes sociais para se insurgirem contra a alteração da Bica de Água Quente? Que comentário faz?
A Bica Quente é o signo identitário de maior relevância da Praça, como tal é com naturalidade que vejo algumas vozes se insurgirem contra esta e qualquer alteração, no entanto, respeito a opinião de todos os que se manifestaram, uns por desconhecimento, outros por razões que em nada contribuem para a construção de uma Vizela mais envolvente, fazendo por vezes insinuações desrespeitosas sobre as quais não me pronunciarei.
A bica quente envolve-se, nos dias de hoje, de um silêncio perturbador, resultado das alterações que sofreu ao longo do tempo. O banco que a envolve vira-se de costas para ela e fecha-a em relação à Praça, perdendo-se uma narrativa envolvente e continuada entre a Bica, a Praça e o ator.
A proposta de intervenção na Bica é uma proposta contida, respeitando o valor do sítio, que é superior a si mesmo. A sua formalização responde à vontade de aproximar a Bica das pessoas, cumprindo o desafio de apenas alterar o que foi acrescentado ao longo do tempo, mantendo a bica original inalterada, mas fazendo-a espreitar para a Praça.
Passem por lá e poderão reparar que não tocamos na bica original, mas vejam como agora ela se mostra, como respira…
– Outro dos aspetos que as pessoas repararam foi a remoção das árvores. A Praça vai ter áreas de sombra com novas árvores?
- Sim, a praça vai continuar a ter áreas de sombra com novas árvores. Elas surgirão junto à bordadura da Praça, interrompendo a sua continuidade no pontuar da Bica quente e no encontro com o Jardim, garantindo a proximidade que se pretende entre os dois espaços.
- Já disse publicamente que espera que as pessoas depois de tudo terminado usufruam do coreto do jardim. O que pretende para ali concretamente?
- O Coreto, embora harmonioso em si e na maneira como se envolve com o Jardim, deixou de ser opção nos encontros das pessoas com a música, sendo agora um acumulador de vazios, onde apenas encontramos o silêncio das pautas em branco, manchadas pelo tempo e pelo desuso. Importa, por isso, voltar a levar as pessoas ao seu palco, mesmo que os “músicos” sejam outros. Desta feita, pretendo que seja ocupado pelas pessoas de forma fortuita, permitindo-lhes o simples ato de estar e de o experimentar a todos quantos privilegiem esta nova relação sensorial e espacial com o Jardim.
– Como explica a mudança da estátua Vizela Romana para a Praça?
A Vizela Romana, hoje localizada na transição entre o Jardim e a Praça, encontra-se de costas voltadas para a praça pelo que só é sentida por quem está no Jardim.
Não deixando de manter a sua relação com o Jardim, para o qual permanecerá voltada, a Vizela Romana é posicionada na Praça, num exercício de ancoragem da mesma ao palco principal da cidade e à sua sala de visitas, que a dota, sobretudo, de uma envolvência mais duradoura e abrangente dando-lhe assim uma maior dignidade e centralidade.
Também a sua base, que emerge do chão, eleva a estátua acima de nós tornando-a visível, capaz de se destacar e de pontuar a Praça.
- Como explica o novo escadaria do jardim?
A intervenção a poente do Jardim não se resume apenas à criação de uma nova escadaria.
No imediato surge a necessidade de aproximar a Rua Dr. Abílio Torres e o Jardim Manuel Faria, sendo por isso criada a escadaria central que assume o papel de porta principal da cidade e conduz de um modo inequívoco ao Jardim. Para além disso tendo consciência da função da Rua no serpentear da cidade e do Jardim no presentear de quem a visita, assim como da importância da escadaria que os une, parte do Jardim é elevado à cota da Rua com o pressuposto de presentear os que atravessam a Rua Dr. Abílio Torres não apenas com o edificado, mas também pelo romantismo com que o jardim nos mimoseia.
– A nova circulação de trânsito anunciada para o local teve o seu aval? Como a define?
Sim, as opções de trânsito que envolvem a praça têm o nosso aval.
Claramente mecanizados, Praça e Jardim encontram-se actualmente submissos a uma ocupação automóvel inconsequente que, sendo imprescindível, deve ser gerida de modo a impedir que se aproprie de sítios inimitáveis. A Praça, retalhada por lugares de estacionamento, mostra-se incoerente e impessoal sendo que importa potenciar uma fixação envolvida de pessoas, e isenta de fumos, ruídos e insegurança.
Respondendo à segunda pergunta, defino-a como essencial, pois estamos a intervir no espaço físico mas temos a obrigação de intervir também no espaço sensorial.
– A praça continuará com as esplanadas?
Sim.
A praça é das pessoas e por isso ela deve ser usada das mais variadas formas, e as esplanadas enquanto elementos de fixação de pessoas devem existir, alias como aconteceu até agora, ainda que com algumas regras que até então não existiam e com melhores condições.
– O jardim contava nas suas laterais com alguns memoriais (bolinhol, combatentes, Camilo, etc.) Acha que devem ser mantidos?
Os memoriais surgem da vontade de preservar na memória das sociedades, pessoas ou momentos, que pelas mais variadas razões se destacaram no tempo e que ainda hoje devem emergir. A sua localização foi certamente avaliada no passado sendo que qualquer alteração ou reposicionamento deverá envolver os actores da sociedade actual, sempre com a cautela, respeito e dignidade que cada um merece.
Respondendo de uma forma objectiva à pergunta, enquanto qualquer um dos memoriais existentes continuar a emergir no tempo e na sociedade, ele dever manter-se próximo das pessoas.
- Como espera que os vizelenses e turistas venham a usufruir da Praça da República e do Jardim?
Com intensidade.
Com a intervenção espero que os vizelenses possam experienciar novamente a imaterialidade que outrora fez desta praça e do jardim o lugar de convergência de todos e por consequência um ponto de estadia obrigatório para todos os turistas que passem por Vizela.
– Quando calcula que será feita a inauguração?
Tendo e conta a instabilidade em que vivemos é mais difícil apresentar uma data para a sua inauguração, mas tendo em consideração o bom ritmo da intervenção e não existindo atrasos de força maior, acredito que poderá ficar concluída no início do segundo trimestre do próximo ano.
– Acha que o seu nome ficará para a história de Vizela depois desta obra concluída?
Não.
O desafio que me foi colocado de olhar para o coração da cidade deve ser visto como um ato natural de fazer arquitectura, esta é a minha profissão.
São tantas as pessoas que fazem da nossa cidade um lugar melhor (os bombeiros, os carteiros, os comerciantes, as pessoas que dão tanto de si às associações de nosso concelho, etc..) e nem por isso ficam para a história de Vizela, mas atrevo-me a afirmar que a história de Vizela é escrita todos os dias por aqueles que dão um bocadinho de si à cidade. Nós somos a história de Vizela. ddV