A Regionalização, de novo na ribalta. Aviso aos incautos e ingénuos

Artigo de opinião do Dr. António Moniz, ex-deputado da Assembleia da República e figura distinta no apoio à elevação de Vizela a Concelho.



Devo confessar, por uma questão de lealdade que, quando estive no Parlamento, como deputado, acreditava plenamente nas virtudes da Regionalização, como meio eficaz para acabar com as graves assimetrias existentes entre o Interior e o Litoral. Por outro lado, seria o meio eficiente de estancar o processo gradual de desertificação do Interior e a crescente proletarização dos habitantes dos seus meios urbanos. Lá, além dos serviços, geralmente apenas despontavam pequenas e incipientes industrias e frágeis explorações agrícolas, que só á custa de enormes sacrifícios eram capazes de se manter.

Pois, tinham que fazer frente à feroz concorrência que se fazia e faz sentir, ao aumento natural dos salários, e ao acréscimo de preços dos produtos necessários à agricultura, sem contra partidas nos proventos.

Além do mais, a compasso destas funestas perspectivas, verificava-se facilmente uma destruição acelerada dos laços culturais, sociais e económicos, existentes no Interior, motor da degradação e da inevitável destruição da paisagem e do meio ambiente.

Pois bem, por essas razões, participei há uns anos, com entusiasmo e na minha boa fé, à constituição de uma Associação Regional da Beira Alta, para se tentar visualizar a futura região administrativa que englobaria o espaço geográfico beirão.

Realizou-se então o Segundo Congresso Beirão, em Viseu. Entretanto, no Parlamento, o PPM, que então representava como deputado, tinha apresentado um Projecto de Regionalização com base nas Regiões Naturais. Seria necessário que cada partido, posteriormente, elaborasse um projecto indicando os elementos objectivos que, na sua perspectiva, caracterizariam tais Regiões Naturais, visto que todos pareciam ter aceite, nas discussões preliminares, essa solução como base para a futura Regionalização.

Claro está, que o partido onde então militava, apresentou um projecto para ser discutido, no hemiciclo. Porém, um balde de água fria caiu sobre os regionalistas, em relação à actuação dos restantes partidos, que apenas se limitaram a elaborar mapas com a divisão do País em Regiões, mais nada de útil acrescentado. Mais nada mesmo! Espantem-se. Isto é, tiveram a ousadia de dividir o País em parcelas territoriais, sem qualquer fundamento científico visível, a não ser retalhar o território nacional, como já tive ocasião de dizer publicamente, para o adaptar melhor aos seus desejos eleitoralistas.

E para provar a leviandade desses projectos partidários, na mesma Região, eram juntas duas das áreas do interior mais carentes de Portugal, estou a falar da Guarda e de Castelo Branco. Como é que tal projecto iria acabar com as assimetrias existentes entre o Litoral e o Interior? Parecia estarmos perante uma brincadeira de mau gosto de um grupo de amigos a divertirem-se ao fim do dia, enquanto bebiam um copo!!! Estavam autenticamente, a gozar com o pagode. Ainda por cima, exibiam uma ignorância absoluta da história, pois desde tempos imemoriais, que as gentes da Guarda e de Castelo Branco viviam em permanente conflito entre si, devido à transumância e por causa dos pastos, sendo criados graves problemas entre pastores e populações inteiras de uma região e de outra, não se suportando reciprocamente e nunca perdendo a ocasião de provocarem rixas sangrentas, com pessoas assassinadas à mistura. As circunstâncias eram de tal modo graves que acabavam por exigir intervenção do Poder Central. Claro que tal não se passa no nosso tempo, mas o relacionamento entre uma comunidade e outra ressente-se sempre do seu passado e da velha animosidade tribal de antigamente.

Porém, tal problemática nada tem actualmente de grave. Grave é tentar meter num gueto dois territórios pobres do interior, que acabariam por sufocar com tal medida administrativa. E no Congresso da Beira, trilhando sensatos e lúcidos caminhos para acabar com as assimetrias existentes, foi proposta e aprovada uma Região Administrativa constituída pelas terras da Guarda e de Viseu, complementadas por toda a Região Natural da bacia hidrográfica do Vouga, incluindo Aveiro e o território envolvente. Na verdade, desde tempos imemoriais, tinham estes territórios mantido um tráfico cultural e comercial importante entre as respectivas populações, bem com o estabelecimento de fortes relações de defesa contra inimigos comuns que atravessavam a raia cerca da Guarda ou, igualmente, vindas do Norte, como aconteceu com as invasões francesas. Devido às intensas relações entre as suas populações, foi-se sedimentando uma cultura comum entre as gentes do Interior e do Litoral. Estavam criadas as condições para um desenvolvimento harmonioso com espaços heterogéneos, com múltiplos centros de impulso, constituindo uma malha global activadora, evitando-se o progresso a dois compassos, como referia o Prof. Doutor Valente de Oliveira. O meu amigo Carlos Candal, conhecido deputado socialista, perante as propostas do seu Partido, com as quais não concordava, como não tivesse possibilidade de chegar a tempo ao Congresso de Viseu, telefonou-me a perguntar se estava de acordo com uma região que apenas incluía as terras da Guarda e de Castelo Branco. Expliquei que não. No Congresso estava em discussão uma Região que incluía, Guarda, Viseu e Aveiro Pediu-me então para, em seu nome, informar os congressistas que concordava com essa proposta e com uma outra Região formada por Castelo Branco, Coimbra e Figueira da Foz. Veio o Congresso abaixo com uma saudação especial de aprovação às propostas de Carlos Candal.

Mas este não foi o único erro da Regionalização proposta pelas outras forças políticas, nomeadamente, P.S e P.C. Pois, para agravar as assimetrias existentes, os grandes partidos propunham que as Áreas Metropolitanas fossem transformadas em Regiões Administrativas, ficando completamente desligadas da pobreza e do marasmo social das zonas circundantes.

Com este tipo de propostas, a Regionalização ficou ferida de morte. Até os que com Ela sonhavam, acabaram por votar contra.

Ora, perante a centralização feroz que se sente, tenho receio que a bandeira da regionalização seja uma simples tentativa para dividir as populações e continuar tudo como dantes. Mais, o Estado Centralizador procurará isolar-se nas suas comodidades da capital, abandonando a gente do interior à sua sorte, atirando para as costas dos municípios a responsabilidade de muitas das suas actuais competências, sem os necessários meios económicos que suportem as novas atribuições descentralizadas.! Será assim destruído, nas nossas barbas, entre outros o Estado Social, continuando a haver dinheiro para a corrupção, para a compra da liberdade dos órgãos da comunicação social e para a manutenção da perversão constituída pelo Poder Executivo a dar ordens ao Poder Judicial.

Os municípios da província, incluindo o Grande Porto, que se cuidem!
Antes da nova discussão que se avizinha sobre Regionalização, não podia deixar de fazer este aviso à navegação

António Moniz Palme

ddV (No próximo dia 19 de março, o ddV publicará um artigo de opinião do Dr. António Moniz, ex-deputado do PPM na Assembleia da República e promotor do projeto de elevação de Vizela a Concelho redigido exclusivamente para este jornal digital.

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