Que Ana Plácido, teve o apoio de Camilo Castelo Branco não há como ignorar, perante a lista de indigitados colaboradores da futura revista, literatos, alguns deles, muito próximos do conceituado escritor público e romancista.
Ora, por pouco que fosse o impacto que os seus promotores e colaboradores cuidassem que a iniciativa pudesse vir a ter, a empresa iria demandar trabalho, tomar tempo e exigir… dinheiro!
E, é aqui que entra Pereira Reis, como se pode ver numa carta escrita por Ana Plácido, em que agradece o apoio e o oferecimento do lente…
Era o Dr. Reis, José Pereira Reis (1808-1887), lente da Escola Médico Cirúrgica, literato também ele, bem conhecido tanto de Ana Plácido como de Camilo Castelo Branco.
“Aceitei sem delonga, e consultando unicamente minha razão, o nobre e generoso oferecimento de V. Ex.ª”
O doutor José Pereira Reis, falecido em 1887, foi lente ilustre da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, publicista distinto e clínico abalizado.
“…viajou por Espanha, França e Inglaterra, visitando diversos hospitais e estabelecimentos científicos. Percorreu também agora e logo, diversas terras do país e, provavelmente, numa destas excursões, se enamorou do pitoresco sitio de Vizela, onde existem as bem conhecidas termas e aí mandou construir uma casa, onde como verdadeiro filosofo, se vai espairecer, aspirar com deleite, os ares sadios, retemperar as forças do espírito quebrado pelo spleen , que a todos nós mais ou menos acomete…” [Jornal O Ocidente - 11 de Dezembro de 1884] .
A sua clientela era constituída pelas melhores famílias do Porto, que muito o apreciavam, não só pelo seu saber, como pelas suas maneiras afáveis, pelo seu bom humor e pela sua graça genuinamente portuguesa.
De aspecto ordinariamente fleumático, só se entusiasmava, a bem dizer, quando lhe era dado proclamar as excelências das águas de Vizela.
Então, era vê-lo falar alto, gesticular, para melhor acentuar o significado das suas afirmações laudatórias.
Todos sabiam que para o doutor José Pereira Reis, as águas de Vizela curavam as mais diversas enfermidades.
A ele alude Pedro Ivo, num gracioso conto, com o título «A Mosca», publicado em «O Comércio do Porto», em 13 de Julho de 1873.
Lê-se nessa obra curiosa o seguinte trecho:
“Ao chegar a Vizela, fui agradavelmente surpreendido pela espera que me fizeram diversas famílias das minhas relações e que ali estavam a banhos, as quais me traziam à frente para me obsequiarem uma Filarmónica de músicos da terra.
Depois dos cumprimentos da “ordem” perguntei onde poderia arranjar onde ficar por estes dias, num local que fosse ao meu estilo:
“ - Vá para o Mourisco, dizia uma
“ - Vá para a Lameira, dizia outra
“ - No Cruzeiro do Sul, passa-se bem, dizia uma terceira
“ - Se quer ir para a Hospedaria…então antes a do Padre, exclamava uma quarta.
Nisto, chegou-se a mim uma senhora já velha, amiga intima da minha avó e disse:
“ - A ti, assim doente como estás, não te convém uma casa onde haja barulho. Se queres estar à tua vontade e gostas de boa mesa, vai para casa de uma médico do Porto, que para aqui vem há muitos anos. Não podes enganar-te. Se não estivesses tolhido pelo reumatismo, atravessavas o rio ali, na levada do Pisão…Assim, tens que ir à ponte [romana]. Uma vez na margem de lá, logo vês a casa. Defronta com o chalet do Inglês…Tem janelas quase ogivais e o telhado em forma de zinco.
Agradeci-lhe, despedi-me das outras famílias e parti. Cinco minutos depois entrava na sala do tal médico do Porto, que estava nesse momento com um banhista.
“ - Mas, Sr. dr. - dizia o banhista - Se andam aqui as bexigas, vou já para o Porto…
“ - E no Porto, não há bexigas? perguntava com impaciência o médico, fazendo uma careta passando os dedos por entre os cabelos.
“ - Isso são coisas dos de Guimarães, que querem levar a gente daqui para as Taipas.
O banhista saiu e sorrateiramente acerquei - me dele e indaguei sobre o dono da casa:
«Bom médico e boa pessoa... um pouco absoluto em certas coisas como médico... Por exemplo, nos artigos, “dieta” e “Vizela”, intolerante. A gente da terra ainda nem sequer pensou no que lhe deve. Só ele, à sua parte, tem feito ir a Vizela mais gente do que todos os outros médicos reunidos. Vizela é a sua ideia fixa, o seu amor e quase se pode dizer a sua filha, pois, se ela mais não tem medrado, não é por culpa dele».
Em 1881 formou-se uma Comissão Médica, que teve o Dr. José Pereira Reis, como presidente, a fim de aconselhar a direcção da Companhia de Banhos de Vizela em tudo que dissesse respeito à organização do serviço médico.
Sobejos motivos tem, pois, Vizela para ser grata à memória do Dr. José Pereira Reis.
Inscreveu-lhe o nome numa das suas ruas. (com início na Ponte Romana - onde em tempos existiu a Villa Reis - até ao entroncamento com a Rua Abílio Torres e a Joaquim Freitas Ribeiro de Faria, junto à “Clínica da Ponte”). Cumpriu, simplesmente, um dever.
Vizela sempre teve grandes e dedicados amigos. O Dr. Pereira Reis foi, sem dúvida, dos maiores.
JÚLIO CÉSAR FERREIRA