Rui Guimarães, jovem técnico de 33 anos, está há oito temporadas no Médio-Oriente e já leva 10 títulos conquistados nesse país. Por quatro emblemas diferentes...
Em entrevista ao zerozero, o mister natural de Caldas de Vizela falou-nos da sua vida nas Arábias, da sua perspetiva de futuro a médio/longo prazo e um olhar à distância pelo futsal português. Sempre com histórias bem curiosas pelo meio...
«Não é de todo fácil trabalhar com árabes»
zerozero (ZZ): Conte-nos um pouco da sua história no mundo do futsal e como começou a sua história nos Emirados.
Rui Guimarães (RG): Iniciei o meu percurso no futsal em 2003/04, como treinador dos Iniciados da Fundação Jorge Antunes. Nos anos seguintes fui ainda treinador dos Juvenis e Juniores do clube, sendo que em 2007 abracei o meu primeiro projecto internacional ao serviço do Cosmos Geneve, da Suiça. Nas épocas seguintes treinei o ASD Real Toco (Itália), City Us Targu Mures (Roménia), FC Gypaetoi (Grécia) e o Balticflora Teplice (República Checa). Em 2011, quando estava a disputar a final da Liga Checa, ao serviço do Balticflora, surgiram os primeiros contactos para treinar nos Emirados Árabes Unidos e desde setembro de 2011 encontro-me a trabalhar no pais.
Rui recebe troféu Melhor Treinador de 2018 |
ZZ: Como explica tantos títulos nos Emirados Árabes Unidos?
RG: De uma forma muito simples, posso dizer que à exceção da minha primeira época nos Emirados, em que treinava o Al Hamriya, todos os projectos seguintes foram em clubes com mais recursos e com melhores condições para conseguir lutar por troféus. Acho que também ao longo destes anos tenho mostrado competência nas minhas funções e o reflexo desse bom trabalho são os resultados que têm sido alcançados.
ZZ: Há um segredo para um português ter tanto sucesso na arábias?
RG: Não acredito muito em segredos, sou apologista de que os treinadores portugueses são competentes, são extremamente dedicados no seu trabalho e que temos uma fácil adaptação, em qualquer contexto.
ZZ: Como caracteriza o futsal nos Emirados Árabes Unidos?
RG: Quando cheguei cá, há oito anos, o futsal nos Emirados tinha várias carências. Com a contratação de treinadores estrangeiros é visível a evolução do futsal no país. Seguramente que existe ainda muito para melhorar, mas as diferenças ao longo destas oito épocas são enormes e o futuro poderá ser muito risonho. Aqui seria importante modificar-se os quadros competitivos de quatro das cinco competições que existem atualmente e também apostar, de novo, em jogadores estrangeiros, como aconteceu na época anterior.
ZZ: Quais são as maiores dificuldades que encontra nesse país, enquanto treinador?
RG: As maiores dificuldades são seguramente o “amadorismo” que ainda existe. Aqui é frequente alguns jogadores não comparecerem numa sessão de treino pelo facto de estarem a trabalhar, pois aqui os jogadores não são profissionais e muito dificilmente o poderão ser um dia. Aqui, qualquer jogador tem um salário de cinco a 12 mil euros no seu trabalho e no clube normalmente ganham de dois a três mil euros. Todos trabalham para o Governo, com salários mais altos que nos clubes e dessa forma o profissionalismo será sempre uma utopia neste pais. Outra das dificuldades e que aqui os managers (os Diretores, em Portugal) são extremamente próximos dos jogadores e dessa forma, se tentam “envolver” constantemente no trabalho dos treinadores.
ZZ: Ao longo destes oito anos, já treinou seis clubes diferentes e ainda a seleção, sempre com sucesso. Há uma razão para tantas mudanças?
RG: A resposta a essa pergunta é muito fácil. Já o disse publicamente algumas vezes e repito: não é, de todo, fácil trabalhar com árabes, acaba muitas vezes por ser extremamente desgastante. Assim sendo, na minha perspetiva, em qualquer clube que trabalhe neste pais terá sempre como máximo duas épocas desportivas, de forma a que o desgaste psicológico não exceda os limites e dessa forma possa sair de qualquer clube com as portas abertas e com possibilidades de voltar no futuro, se assim for do interesse das duas partes. Para mim, como treinador também acredito que é importante não me acomodar, manter sempre os indices de motivação no máximo e sempre que assumo um novo projecto a motivação esta sempre nos píncaros, como eu gosto.
ZZ: Falemos agora do país Emirados Árabes Unidos. Como o caracteriza?
RG: Os Emirados Árabes Unidos é um pais fantástico para se viver e trabalhar. Estamos a falar de um pais em que qualquer cidadão pode usufruir de um nível de vida fantástico, que dispõe de um clima agradável nove ou 10 meses do ano. Também é um país com um custo de vida bastante elevado, mas extremamente seguro e com uma população estrangeira na volta dos 90%.
ZZ: Qual a história mais insólita que já passou nessa zona do globo? Seja ou não desportiva.
RG: Já passei várias historias, algumas delas que não as posso divulgar, como é natural, mas posso dar alguns exemplos do que é trabalhar e viver neste pais. Deixo um pequeno exemplo porque este pais é considerado seguro. Um dia estava no café e deixei o carro estacionado com o vidro aberto. Quando regressei, estava um senhor ao telefone e perguntou-me se o carro era meu. Quando lhe disse que sim, ele disse-me que estava a ligar para a Policia, para me contactarem porque viu o carro com o vidro aberto e com o meu computador lá dentro. Em termos desportivos, na minha primeira época cá, e no intervalo do primeiro jogo amigável, quando entro no balneário não tinha lá um único jogador. Não percebi o que se passava e o roupeiro disse-me que era a hora da reza, ou seja, tive que esperar que os jogadores acabassem de rezar para iniciar a palestra. Uma situação actualmente normalíssima para mim, mas ao inicio bastante estranha.
ZZ: Já fala algumas palavras em árabe?
RG: Só umas palavras. O básico mesmo!
«O regresso a Portugal
ou para o futsal
europeu será impossível a curto/médio prazo»
ZZ: Voltar a Portugal ou ao futsal europeu... é hipótese em breve?
RG: Muito honestamente, penso que o regresso a Portugal ou para o futsal europeu será impossível a curto/médio prazo. No futsal, nunca temos garantias do futuro, mas as perspectivas são de me manter mais alguns anos nos Emirados e o passo seguinte poderá ser de trabalhar em algum outro pais asiático, o que já esteve próximo de acontecer em algumas ocasiões.
ZZ: Como olha para o futsal nacional à distância?
RG: Acompanho o futsal nacional com um agrado muito grande, por todo o trabalho que a FPF tem efectuado em prol do futsal no pais. A nossa Seleção tem efectuado um trabalho de grande competência e continua a valorizar o produto “made in Portugal”. Os clubes, apesar de financeiramente atravessarem algumas dificuldades, continuam a evoluir a engrandecer o futsal nacional e os treinadores continuam a demonstrar que, mesmo com limitações, podem realizar um bom trabalho e dessa forma demonstram toda a sua competência.
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LEIA AQUI A ENTREVISTA DE RUI GUIMARÃES AO MAIS FUTEBOL