Do tempo dos romanos, da anulação da visita da Rainha, das dificuldades de negociação com a Câmara Municipal de Guimarães, etc.
11 de Setembro de 1874
Portaria do ministério do reino, autorizando a Câmara a fazer o contrato provisório com algumas modificações que lhe insinuava convinha fazer nas bases do projectado contrato para aproveitamento das nascentes das águas medicinais de Vizela e construção de estabelecimentos de banhos, cujo contrato a Câmara ia celebrar com uma companhia, para oportunamente ser apresentado às cortes.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 247.)
Os romanos já conheciam as virtudes terapêuticas das águas sulfurosas que em Vizela jorram de diversas nascentes.
Chamaram-lhe Oculis Calidararum (olhos de água quente) e instalaram ali uma estância termal que está na origem de Caldas de Vizela. Sabemos que no final do século XVIII foi instalado um balneário que não era mais do que uma barraca com cobertura de colmo. A partir do início do século, com o crescente interesse pelo termalismo, vão sendo melhoradas as condições para os utilizadores dos banhos, cujo potencial terapêutico vai sendo progressivamente melhor conhecido.
Em meados de Maio de 1852, quando D. Maria II era esperada em Vizela para uma visita que não aconteceria, os que a iam receber preparavam-se para lhe mostrar os banhos, queixando-se do abandono a que estariam botados pelas autoridades municipais, onde se lia:
Dignai-Vos olhar por estas piscinas salutíferas e em tanta abastança como não há outras em nosso Portugal! Vede Senhora, o abandono em que as têm deixado os veladores das augustas determinações de Vossos Avós, que se dignaram fazer aproveitar para o público um manancial tão rico e tão procurado (de longas terras ainda) que até em tempos remotíssimos se abalara do imo das Espanhas a rainha D. Geloira, com seu filho, para aqui virem procurar os milagrosos benefícios desta águas medicinais! Examinai, Senhora, os cuidados e os desvelos dos antigos dominadores do mundo, atestados contra a fúria dos séculos e contra os desleixos das Câmaras Municipais, nesses restos de piscinas de mosaico e de vias romanas, que as escavações descobrem a cada passo! Considerai, Senhora, que nestas Caldas de Vizela onde vêm fazer uso dos banhos sulfurosos os soldados da 3.ª e 4.ª divisão militar, onde centenares e centenares de enfermos encontram todos os anos a saúde e a vida, quando porventura - sem tão útil medicamento - só esperavam a doença e a morte!
Apesar de algumas iniciativas da Câmara de Guimarães para melhorar as condições de atendimento nas termas de Vizela, ainda passariam mais de duas décadas até que os banhos ganhassem o impulso que traria Vizela aos seus tempos áureos.
No dia 9 de Outubro de 1873 constituiu-se, na sede do Banco de Guimarães, na Praça de Santiago, a Companhia dos banhos de Vizela. A assembleia geral instaladora, reunida naquele dia, contou com a presença de 35 subscritores, tendo sido presidida pelo barão de Pombeiro e secretariada por Alberto Sampaio e António Matos Chaves. Além da aprovação dos estatutos e bases da Companhia, a assembleia nomeou uma comissão para proceder à legalização da sua instalação Barão de Pombeiro, António José Ferreira Caldas, dr. Alberto Sampaio, Francisco Ribeiro Martins da Costa, residentes na cidade de Guimarães, e Joaquim Ribeiro da Costa, de Vizela.
Instalada a Companhia dos Banhos de Vizela, iniciam-se negociações com a Câmara de Guimarães para assentar as bases do contrato de concessão que lhe permitiria explorar o aproveitamento das nascentes de águas termais de Vizela, incluindo a construção de estabelecimentos de banhos. No dia 11 de Setembro, por uma portaria do Ministério do Reino, o rei D. Luís autorizava a Câmara a celebrar o contrato de concessão, indicando alterações que lhe deveriam ser introduzidas, em especial a que se refere à duração da concessão, que não deveria ser perpétua, como se propunhas, mas sim temporária. O contrato seria concluído dois meses depois, sendo feita a sua escritura provisória no dia 18 de Novembro, sendo subscritores, por parte da Companhia, Alberto Sampaio e Joaquim Costa.
No dia 12 de Janeiro do ano seguinte, o Ministro dos Negócio do Reino, António Rodrigues Sampaio, assinou uma proposta de lei, a submeter à Câmara dos Deputados, onde propõe a aprovação do contrato entre a Câmara de Guimarães e a Companhia dos Banhos de Vizela. Alguns dias depois, era dirigida à Câmara dos Deputados uma representação assinada por 115 moradores das freguesias de S. Miguel das Caldas, Tagilde, S. Faustino e S. Paio de Vizela, Infias, Polvoreira, Nespereira, Mascotelos, Gandarela, Conde, Guardizela, Lordelo e Moreira de Cónegos, pedindo que o contrato não fosse aprovado, principalmente na parte em que segundo as plantas do já então falecido engenheiro Dejant a construção havia de ser na bouça das Pedras (parece ser onde está ) que além da ficar distante 456 metros das nascentes das águas, era preciso, por causa das grandes inundações, elevar a dita Bouça à altura da estrada nova (João Lopes de Faria, efeméride de 16 de Janeiro de 1875). Pediam que se obrigasse a que o estabelecimento termal fosse construído sobre as próprias nascentes e que fossem salvaguardados os direitos de propriedade.
Aquelas representações não seriam atendidas. O contrato foi aprovado, com modificações, em Cortes no dia 4 de Abril de 1875, sendo sancionado por carta de lei do dia 14 daquele mês, onde se lê:
Dom Luís, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Fazemos saber a todos os nossos súbditos, que as cortes gerais decretaram e nós queremos a lei seguinte:
Artigo 1.° É aprovado para poder ter execução o contrato provisório para o aproveitamento das nascentes das águas medicinais de Vizela e construção de estabelecimentos de banhos, celebrado por escritura de 18 de Novembro de 1874 entre a câmara municipal de Guimarães e a Companhia de Banhos de Vizela.
§ 1.° Ao § 1.° do artigo 7.° do contrato se acrescentará: salvo o recurso para o tribunal arbitral, que o artigo 18.° do contrato estabelece, para as questões sobre assuntos técnicos entre a companhia e a câmara, devendo aos proprietários caber o mesmo direito que esta tem para a escolha dos dois engenheiros.
§ 2.° Sempre que haja questões de indemnizações, em consequência das disposições dos artigos 6.° e 7.° do contrato, serão elas judicialmente decididas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Mandámos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da mesma lei pertencer, que a cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no paço da Ajuda, em 14 de Abril de 1875. = El-Rei, com rubrica e guarda.= António Rodrigues Sampaio.— (Lugar do selo grande das armas reais.)
Os trabalhos de construção do novo estabelecimento balnear de Vizela estender-se-ia pelos anos seguintes. Abriria portas, com inauguração solene, no dia 8 de Maio de 1881, de uma parte do majestoso estabelecimento termal de Vizela, que depois de concluído será um dos melhores da Europa não só pelas proporções do edifício e seus acessórios mas também pela riqueza mineralógica das suas água, como escrevia o folhetinista do jornal Formigueiro, num texto pitoresco que aqui se reproduz:
A inauguração do estabelecimento termal de Vizela
No dia 8 de Maio foi inaugurado novo estabelecimento termal de Vizela com a solenidade própria dum grande melhoramento como foi para Vizela abertura da parte do majestoso estabelecimento balnear.
Foi neste dia festival que Vizela se vestiu de galas, aparecendo, ao despontar da aurora no horizonte transformada como por encanto, num jardim de flores como era bela e sedutora a perspectiva que Vizela apresentava com as suas ruas enfeitadas com galhardetes e bandeiras multicores, formando um conjunto de harmonia pela disposição simétrica dos seus enfeites! O dia apresentou-se fagueiro e formoso como um idílio de amores; o firmamento limpo e sereno deixava ver o azul da sua imensidão; o zéfiro agitava as franças das árvores e deslizava suavemente no espaço indefinido do Cosmos; o astro-rei apareceu em todo o seu esplendor. mostrando os seus dardejantes raios como para animar a festa deste dia. O movimento sempre crescente do povo que de diversas partes ia chegando para assistir aos festejos começou a animar os Vizelenses e todos pareciam a alegres com a animação que Vizela ostentava. Os foguetes começaram a estalar nos ares e as músicas começaram também a fazer-se ouvir com os seus sons maviosos, e então as ondas do povo sucediam-se umas após outras como vagalumes que se espraiavam ao longe.
Depois, ao principiar a bênção solene do novo estabelecimento a que assistiu Monsenhor Menezes, representante do Arcebispo primaz das Espanhas. governador civil do distrito, Câmara Municipal e mais convidados, os foguetes de novo estalaram no espaço azul do infinito, as músicas também ecoaram com os seus sons harmoniosos os hinos nacionais, e a massa compacta do povo enchia as avenidas do novo estabelecimento termal, animando com a sua presença, sempre alegre e folgazã, a solenidade desta festa.
Acabada a cerimonia da bênção, a multidão formou arraial nos largos e avenidas fronteiras ao estabelecimento, e os convidados foram ao lunch que foi no nosso magnífico hotel Cruzeiro do Sul, e sempre os foguetes a estalar e as músicas a tocar as melhores peças do seu reportório.
Durante o lunch reinou a maior animação entre os seus 80 convidados, e houveram diversos brindes a todos os que contribuíram para a conclusão da parte do grandioso estabelecimento termal, que Vizela possuirá, se a companhia puder vencer as dificuldades com que tem lutado.
Está, pois, inaugurada uma parte do majestoso estabelecimento termal de Vizela, que depois de concluído será um dos melhores da Europa não só pelas proporções do edifício e seus acessórios mas também pela riqueza mineralógica das suas águas.
Este dia festival para Vizela marcou uma nova época de progresso para esta pitoresca Sintra do Minho, onde homens, mulheres e crianças poderão vir mergulhar-se nestas miraculosas termas, e nelas achar lenitivo para as suas dores e sofrimento.
E tu, donzela, que sofres os teus males anémicos, e que te podem levar à sepultura, vem mergulhar-te nestas águas e respirar o ar puro, que aqui se respira, e verás como te reanimas; poderás ainda fazer a felicidade do escolhido do teu coração.
Vinde também, vós habitantes Lusos, mergulhar-vos nestas miraculosas termas, e encontrareis a vossa saúde e a saúde e vida de vossos filhos. A vida aqui passa-se a rir e a folgar, porque em Vizela há lindíssimos passeios, há todas as comodidades que o banhista mais exigente pode desejar, e há também um passeio espaçoso onde nesta época balnear se forma uma feira improvisada com as suas barracas.enfeitadas com diversos objectos simetricamente dispostos, formando um lindo contraste pela sua variedade.É aqui onde o belo sexo ao cair da tarde, vem reunir-se, e animar a concorrência a esta feira improvisada.
Já se acha construída a barraca da acreditada casa Barbosa, e em breve se construirão outras aformoseando deste modo o local, que é um bom passatempo para o banhista. Há, pois, em Vizela boas comodidades e distracções para o banhista e o magnífico estabelecimento que se acaba de inaugurar
Vizela, 14 — 5 — 81.
VITERBO DE FREITAS.
Formigueiro, Guimarães, 13 de Maio de 1881