"O bom povo português"

(...) Ali é bem evidente o aumento da idade média da população. Tenho uma memória difusa de acompanhar os meus pais ao Gerês ou a Vizela. Na altura fiquei com a ideia de que havia muitos velhos. Faço as contas e concluo que seriam pessoas, quando muito, com 60 anos. Agora serão, em média, pelo menos, 10 anos mais velhos.(...) Texto do professor universitário Alberto Castro, publicado no Jornal de Notícias



Rompendo com a rotina, as férias levam, amiúde, a que prestemos atenção a factos e actos que no dia-a-dia não temos tempo de apreciar. Podem ser paisagens, pessoas, pormenores. Não raras vezes, cruzámo-nos regularmente com eles mas não os vemos. A pressa e a pressão do quotidiano direccionam-nos para o prioritário, urgente. Especializamo-nos. Individualizamo-nos. Fechamo-nos. Olhamos pouco à volta. Ao mundo. Aos outros. Empobrecemos, mesmo quando enriquecemos materialmente.

Senti isso em S. Pedro do Sul, no dolce fare niente de uma estadia num centro termal. A "Notícias Magazine" não faz a coisa por menos: a maior estância termal da Península Ibérica. No local, mais modestos, reclamam apenas ser a maior do país. Seja como for, continua pacata na azáfama das centenas de pessoas que frequentam os balneários. Não se ouve falar alto. Os carros não buzinam, mesmo quando têm de esperar largos minutos para que dos autocarros desçam, ou subam, dezenas de utentes, muitos deles idosos.

Ali é bem evidente o aumento da idade média da população. Tenho uma memória difusa de acompanhar os meus pais ao Gerês ou a Vizela. Na altura fiquei com a ideia de que havia muitos velhos. Faço as contas e concluo que seriam pessoas, quando muito, com 60 anos. Agora serão, em média, pelo menos, 10 anos mais velhos.

Mente sã em corpo são? Juvenal, o poeta romano a quem se atribui a expressão, sugeria que devíamos rezar por um equilíbrio entre os dois que permitisse apreciar os valores, como resulta dos últimos versos: "o que vos recomendo, podeis dá-lo a vós próprios/ pois, por certo, o único caminho para uma vida em paz é a virtude". Um companheiro de estadia pareceu-me uma expressão disto mesmo. A olho, teria bem mais de 80 anos. Sempre muito bem-posto, camisa impecável, calça clara vincada, destoava um pouco da informalidade termal. Sentado num cadeirão esperava, vim a constatá-lo, pela que presumo ser a sua neta que, essa sim, faria tratamentos. Fazia-se acompanhar pelo "Programa de Governo" do Gomes Ferreira, um calhamaço de quase 500 páginas em que aquele jornalista verteu a sua imaginação prolixa e os seus palpites. Observei-o sem que se apercebesse. Lia como muitos idosos ainda fazem, bichanando, como se fosse um livro de orações. Alguns dizem que é a melhor maneira de fixar o que se lê. Estava no início. No dia seguinte, lá estava ele de novo. Tinha avançado umas quantas páginas sendo óbvio que se preparava para ler o livro de fio a pavio, não buscando um ou outro capítulo mais apetecível. Confirmei-o no terceiro dia em que o ouvi perguntar o sentido de uma palavra a uma pessoa que o acompanhava. Lia e queria entender. Lenta e paulatinamente, em paz, sem a urgência de saltar para outra leitura, como se tivesse todo o tempo do mundo, agora e sempre. Eu que tenho a sorte de conviver com pessoas como Daniel Serrão, Walter Osswald ou Carvalho Guerra, todos já bem entrados nos 80, que me dão lições de vida, ou só lições, maravilhei-me quase até à comoção com aquele exemplo de alguém que não é, certamente, um académico ou intelectual mas que procurava saber, informar-se, para, ainda que à sua maneira, participar. Que belo exemplo de cidadania!

Como exemplar é a forma de funcionamento do hotel em que fiquei. Muito bem gerido na despretensão das suas 3 estrelas, tirando partido, como me explicava a administradora, das virtudes dos seus funcionários cuja simpatia, atenção, dedicação e humildade configuram uma atitude muito mais profissional do que a dos empertigados empregados de alguns hotéis de luxo. Habituais frequentadores dizem-me ser essa a matriz nas outras unidades hoteleiras, o que, decerto, contribui para a fidelização dos clientes que se sente na relação quase familiar de muitos deles com os funcionários, desde o topo à base. Uma forma de nos diferenciarmos baseando-nos em características que diríamos bem portuguesas. Resulta para a procura interna. Não é linear mas, com algum cuidado e competências linguísticas, talvez o modelo funcione com clientes internacionais. Um desafio que vale a pena equacionar, sem falsas ilusões.

O autor escreve segundo a antiga ortografia



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