"Isto porque os deputados bloquistas recomendam ao governo a suspensão, por um ano, de alguns artigos da Portaria 247/2010 de 3 de Maio, que obriga os pescadores a apresentarem um rendimento anual equivalente a 12 salários mínimos, para poderem renovar a sua licença de pesca.
O Projecto e Resolução recomenda igualmente que as entidades competentes analisem os valores das receitas que os pescadores apresentam, nestes 12 meses para, em função desses valores, se criar uma norma mais justa que tenha em conta a sazonaliade da actividade piscatória, bem como "uma colecta fiscal justa e a exploração mais sustentada dos recursos piscatórios" do Rio Minho.
Com este Projecto de Resolução pretende-se adaptar as normas legais a uma actividade que, mais do que o valor económico, possui um valor social e cultural inestimável e muito enraízado nas comunidades ribeirinhas do Rio Minho. Esse é, aliás, o entendimento de outros grupos parlamentares que, no seguimento de um processo negocial, foram capazes de compreender e de apoiar esta iniciativa do BE,que deverá merecer a concordância do PCP, PSD e CDS.
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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º /XI/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO
A ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕES CONTIDAS NO DESPACHO 14694/2003, DE 29 DE JULHO, E NA PORTARIA 247/2010, DE 3 DE MAIO, PARA A RENOVAÇÃO DA LICENÇA DE PESCA E DA AUTORIZAÇÃO PARA VENDA DIRECTA PELOS PESCADORES DO RIO MINHO
O exercício da pesca no Rio Minho está longe de ser uma actividade permanente e profissionalizada.
À semelhança do que acontece noutros cursos fluviais do nosso País, a pesca no rio Minho é uma actividade ancestral das populações ribeirinhas, personificando, por isso, uma riqueza sócio-cultural bem mais relevante que as mais-valias económicas que gera, apesar da importância que os rendimentos obtidos continuam a ter para muitas economias familiares.
A sua sazonalidade (é praticada num período máximo de até cinco meses por ano) faz com que os proveitos obtidos representem apenas um complemento de rendimento, mas indispensável para centenas de famílias, incluindo as dos pescadores profissionais de Caminha e Vila Praia de Âncora que, na grande maioria dos dias de Inverno não pode ir ao mar, acabando por ter no rio parte do seu sustento.
Este cenário está, no entanto, fortemente ameaçado com a aplicação da Portaria nº247/2010 de 3 de Maio.
Se é verdade que o citado normativo abriu a possibilidade de isenção da venda em lota para a pesca no rio Minho, não é menos verdade que, ao impor, para a obtenção dessa autorização de venda directa, as mesmas condições que são necessárias para a renovação da licença de pesca previstas no Despacho 14694/2003 de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Despacho nº 16945/2009 de 23 de Julho, acaba por “dar com uma mão e tirar com a outra”.
Isto porque o nº 1.2 do Despacho 14694/2003 de 29 de Julho refere que as embarcações deverão anualmente “demonstrar o exercício regular da actividade através de valores de venda de pescado igual ou superior” ao valor de 12 vezes o Salário Mínimo Nacional. Esta norma é, desde logo, inaplicável no contexto da realidade da pesca do rio Minho, tendo em conta que se trata de uma actividade praticada apenas em menos de metade do ano.
Mas, igualmente, porque se esta mesma norma é imposta para a obtenção da autorização para venda directa, o constrangimento passa a ser duplo: repercute-se negativamente na renovação da licença de pesca e na autorização de venda fora de lota.
Ouvidos os representantes dos pescadores dos concelhos de Caminha e Vila Nova de Cerveira, estes reconheceram que esta condição nunca lhes foi, efectivamente, exigida.
Porém, a entrada em vigor, no passado mês de Maio, da Portaria 247/2010, a par da publicação de um Edital pelo comandante da Capitania do Porto de Caminha, alertando para a necessidade do cumprimento desta norma, veio gerar grande apreensão nas comunidades ribeirinhas.
A fixação de um valor mínimo de receitas de venda de pescado, que no caso presente ascende aos 5 mil e 600 euros, inscrita no Despacho nº 14694/2003 de 29 de Julho, pode constituir uma contradição com o que está inscrito no preâmbulo deste mesmo normativo, onde a sua publicação se justifica com a necessidade de “garantir que a sua exploração [dos recursos piscatórios] é feita de forma sustentada já que os mesmos se encontram sujeitos a uma pressão de pesca significativa, deles dependendo numerosas comunidades piscatórias”.
Ora, a pressão que o Despacho 14694/2003, reiterado pela Portaria 247/2010, exerce sobre as comunidades piscatórias ribeirinhas do Rio Minho vai no sentido dos pescadores obterem quantidades de pescado superiores à média, sob pena de perderem a sua licença.
E é esta pressão para se pescar mais, para apresentar maiores rendimentos, para renovar a licença, que vai ao arrepio de uma gestão sustentada dos recursos piscatórios e da filosofia que está subjacente à publicação daqueles normativos.
Por outro lado, as associações de pescadores referem que, na generalidade dos casos, torna-se praticamente impossível atingir aqueles valores.
A suspensão desta exigência, de um volume de capturas superior a 12 SMN/ano para renovação das licenças de pesca no rio Minho, justifica-se inteiramente. Do mesmo modo, replicar esta norma para a obtenção de autorização de venda directa, torna-se absolutamente absurda e duplamente penalizante.
De facto, impõe-se uma melhor ponderação sobre a matéria e uma decisão justa, contando com a informação que será obtida com a leitura, ao fim de um ano, dos obrigatórios registos da actividade e valores de venda.
Trata-se da defesa do direito de centenas de pescadores manterem a actividade, em condições de sustentabilidade dos recursos haliêuticos do rio Minho.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1- Para efeitos de renovação da licença de pesca e de autorização para venda directa no rio Minho, apenas seja obrigatória a demonstração de um rendimento mínimo auferido na venda do pescado equivalente a 4 SMN/ano.
2- Proceda à análise dos valores das receitas do pescado obtidas durante a próxima época piscatória, para, a partir dos valores obtidos, criar um normativo que tenha em conta a condição sazonal da pesca no rio Minho, com vista a manter a actividade para a generalidade dos pescadores, uma colecta fiscal mais justa e a exploração mais sustentada dos recursos piscatórios.
Assembleia da República, 22 de Dezembro de 2010.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda